Admirável Mundo Novo
Antigamente contava-se uma anedota sobre a União Soviétiva que rezava mais ou menos assim:
- Um dia Lenine viajava num comboio pelo meio da estepe gelada, quando subitamente o comboio parou. Uma tempestade de neve tinha coberto os carris e o comboio não podia avançar. Lenine imediatamente mandou sair todos os passageiros do comboio, dar-lhes pás a todos e pô-los a todos a cavar a neve que se tinha acumulado sobre a linha. Alguns anos depois, viajava Estaline num comboio no meio da estepe gelada, aconteceu o mesmo: uma tempestade de neve cobrira os carris e o comboio não podia avançar. Estaline imediatamente mandou fuzilar o maquinista e todo o pessoal técnico do comboio. Muitos anos depois, Brejnev viajava de comboio pelo meio da estepe gelada. O comboio parou: neve sobre a linha. Brejnev ordenou que todo o pessoal do comboio se apeasse, se colocassem uns tantos de cada lado do comboio, e que começassem a empurrar as carruagens de um lado para o outro por forma a fazê-las trepidar e a dar aos passageiros a impressão de que o comboio continuava a andar.
Esta anedota parece-nos ser uma boa ilustração do desencontro crescente entre a indústria discográfica e o público consumidor das artes musicais. É também a imagem que resulta das recentes atribuições de prestigiados prémios musicais como os Grammy Awards ou os Brit Awards (entregues hoje no Earl’s Court): cada vez é mais evidente o divórcio entre as estratégias das majors e dos media ao seu serviço e quem compra e consome o produto final.
O Júri dos Brit Awards lá teve a decência de atribuir os prémios de melhor grupo britânico e melhor actuação ao vivo aos Kaiser Chiefs. Ainda assim, voltou a cometer a gaffe que já se havia registado na atribuição dos Grammies: passar olimpicamente ao lado de Funeral, dos Arcade Fire, reconhecido por muitos como o melhor álbum internacional de 2005. Ignorou ainda os fenómenos Clap Your Hands Say Yeah ou Sufjan Stevens nas categorias internacionais, ou mesmo os domésticos Bloc Party.
O contexto está a mudar e a indústria ainda não compreendeu o alcance da coisa: as escolhas já não são feitas pelo A&R de serviço. Quem agora escolhe é o consumidor final. Este tem agora ao seu alcance um novo media: a comunicação global, leia-se a internet. Pode ser que acordem a tempo para o admirável mundo novo que aí vem.